O valor da autonomia e criatividade
através do trabalho remoto

Dar autonomia pode ser o primeiro passo para uma cultura mais inovadora dentro das empresas e uma sociedade mais criativa no mundo

Nesta primeira coluna para o Whow!, quero aproveitar o momento de adaptação ao trabalho remoto em áreas como gestão, vendas, operação, atendimento e estratégia, entre outras, para trazer uma reflexão sobre como a atual crise poderá iniciar ou acelerar um movimento de transformação cultural e criativa nas corporações mais tradicionais. Costumeiramente resistentes às mudanças, essas empresas estão conscientes de que para estar presente e atuante em um mercado acelerado, dinâmico e competitivo, já era tempo de mudar. O difícil é sempre saber: por onde começar.

Embora os fatores que levaram muitas pessoas a repensarem o modo de operação de suas vidas tenha sido através do isolamento social – uma medida emergencial para conter a disseminação da COVID-19 – é oportuno que, durante este período de quarentena, gestores e colaboradores comecem a agir para ver o que irão fazer de diferente daqui pra frente depois que tudo passar, porque vai passar.

Adaptação e o trabalho remoto

Primeiro, vale lembrar que uma boa parte das pessoas ainda não está acostumada a acordar e trabalhar no mesmo lugar. Os sentimentos e comportamentos estão confusos. Alegria, alívio, relaxamento, (uma possível) procrastinação, solidão, incômodo, desorganização, dúvidas, ansiedade, medo. Leva-se tempo para conseguir gerenciar esse monte de questões internas, não? Mas se você encarar este momento como um possível novo estilo de vida, algo que vai beneficiar muita gente (redução no trânsito, poluição, custos, etc) ou até um desafio de autoconhecimento e crescimento pessoal, a mudança é mais do que bem-vinda.

Portanto, durante esse período de experimentação, as empresas que virem valor nessa transição terão transformado o que era uma vontade para uma realidade. Mas isso dependerá da adaptação de todos – dos colaboradores ao fundador. O que exige treino, esforço e muito diálogo entre todos.

“Num futuro próximo, não haverá empresas. Pelo menos, não como elas são hoje. Seremos todos freelancers/autônomos/profissionais liberais. Você poderá exercer a atividade que bem entender. Num dia será decorador, no outro músico ou administrador pela manhã, e na semana seguinte, professor de jiu jitsu”, escreveu Tiago Mattos, futurista e fundador das escolas Perestroika e Aeroli.to, em seu livro de “Vai lá e Faz. Ou seja, esse estilo e comportamento vai depender do interesse e da capacidade de cada um e das mudanças nos ambientes de trabalho. O fato é que só será permitido isso se houver mais flexibilidade, trabalho remoto… e autonomia.

Pois é. A primeira palavra que me veio à mente, quando muitas empresas tomaram a decisão de que iriam continuar em operação no formato home office, foi autonomia. A palavra deriva do grego autós, que significa si próprio, e nomos, que significa lei. Ou seja, de um modo geral, ter autonomia é o mesmo que criar a própria lei.

Desenvolvimento da cultura inovadora

Olhando dessa forma, a última coisa que qualquer gestor ofereceria aos seus colaboradores é autonomia no trabalho. Mas não é bem assim. Como profissional da área criativa há mais de 14 anos, quem acha que ter autonomia é fazer o que bem entender, está totalmente enganado. “Só é possível criar a própria lei quando se conhece os próprios limites”, me ensinou o professor de filosofia Adriano Bechara.

E nós, criativos, temos plena consciência de que para criar é preciso saber os limites – os meus, da empresa, da equipe e do contexto em que a criação está inserida. Ter autonomia no mundo criativo é permitir que a criatividade aconteça dentro das próprias limitações. Aliás, autonomia é um dos princípios mais importantes para criar. Sem ela, nos sentimos sufocados, inúteis e meros criativos-especialistas-executores de ideias que, nem sempre, são tão boas assim.

E o que tudo isso tem a ver com “viver uma cultura criativa”? Sendo autonomia um dos pilares de um trabalho criativo – uma vez que você deixa com que as pessoas escolham como irão gerenciar suas próprias atividades de trabalho, permite que haja tempo e liberdade para novas ideias surgirem, além de manter a produtividade.

A consequência disso pode ser uma elevação na criatividade em toda a sua empresa. Afinal, esse comportamento de SER mais autônomo é um comportamento criativo muito comum nos profissionais das áreas da Economia Criativa. De uma forma geral, podemos dizer que os criativos são mais “acostumados” a um ambiente com mais autonomia para trabalhar. Isso porque boa parte são freelancers ou empreendedores, e, os que trabalham para empresas maiores e costumam operar no “modelo tradicional”, ou seja, com horários, divisões de departamentos, metas diárias ou semanais, burocrático, geralmente tem uma rotina e um ambiente muito mais flexível, despojado, e, até certo ponto, um tanto autônomo se comparado com as outras indústrias. Portanto, quando falamos em cultura criativa ou cultura de inovação precisamos fazer uma análise de quais comportamentos permitimos dentro de uma corporação.

Por exemplo, o quanto de autonomia a sua empresa oferece aos seus colaboradores e gestores? Diante desse momento de experimentação obrigatória do trabalho remoto (para os que têm esse privilégio) como está o gerenciamento de equipes a distância? Ou, se você é colaborador, o quanto de foco, produtividade e autogestão tem conseguido trabalhando em casa? Caso tenha tido qualquer dificuldade – ou ainda esteja tendo – de adaptação, significa que muito provavelmente a sua empresa estava longe de dar qualquer autonomia a todos –, perdendo pontos para a criação de uma cultura criativa.

Já se a transição está sendo fácil ou até razoável, é porque a cultura da autonomia já estava se desenvolvendo sem você perceber. Em qual momento a sua empresa está hoje?

Nova mentalidade com o trabalho remoto

O mundo está percebendo que existem diversas rotinas, procedimentos, atividades e comportamentos adotados pelo mundo corporativo que o trabalho remoto mostrou serem totalmente desnecessários. Reuniões serem presenciais, é uma das que custa admitir a inutilidade. Ou, pensar em quais realmente são necessárias. Talvez as que envolvem mais pessoas ou processos criativos e de brainstorming?

Já aquelas de números, análises e resultados, novas estratégias da empresa não seriam mais eficientes, objetivas e produtivas se fossem feitas de forma remota? Ou, saindo da pauta de reuniões, atividades que você sabe que passará o dia todo no computador, porque nestes dias, não fazer um home office? Quais dias realmente são precisos um deslocamento para ir ao trabalho e quais poderiam fazer remotamente? Indo mais além, por que o colaborador ou gestor de uma empresa também não poderia escolher o que é melhor para aquela semana, dia ou atividade?

Não é ficar só em casa trabalhando ou só no escritório trabalhando. É a escolha e entendimento do melhor uso do tempo. Claro que isso exige maturidade, responsabilidade, treinamento, prática, afinal, é um novo comportamento.

O fato é que essa mudança nos deu a oportunidade de discutir o porquê isso ainda não é uma escolha no ambiente de trabalho. Medo? Insegurança? Comodismo? Falta de preparação? Imaturidade? Está na hora de mudar e permitir mais escolhas.

Quem sabe, ao perceber como usamos nosso tempo e o dos outros, a gente se torne uma sociedade mais solidária, unida e preparada. Dar autonomia pode ser o primeiro passo para uma cultura mais inovadora dentro das empresas e uma sociedade mais criativa no mundo. Afinal, autonomia é sobre liberdade de escolha, ter tempo para se criar a própria rotina, trabalho ou jornada; é viver a vida de forma mais flexível; e é se aproximar mais de realmente quem somos.

Também sei que essa transformação cultural criativa requer um conjunto de mudanças em diversas frentes que vão desde comportamento individual, lideranças, ambientes, tecnologias, valores e mentalidade das pessoas. Mas acredito que fragmentar o que pode ser mudado pode ser mais fácil e prazeroso, e os resultados  sendo bons ou ruins  mais perceptíveis a todos.

Bons ou ruins? Claro! Não dá pra saber como cada um se adapta a um novo comportamento, quiçá a liberdade. Tem gente que irá pegar rápido, tem gente que se sentirá perdido e tem gente que ficará desejando que “tudo volte a ser como era antes”. Portanto, são adaptações e isso leva tempo.

Cultura criativa no pós-pandemia

Insisto em trazer duas questões que podem ajudar a criar uma cultura criativa no pós-pandemia:

1) Nossa empresa continuará com o trabalho remoto? Como se dará?

2) Permitiremos mais autonomia aos nossos colaboradores após esse período? Como se dará?

Procure sempre olhar além do momento que estamos vivendo, esse é o olhar criativo. E aí, não lhe parece uma boa pauta para a próxima call?

> Artigo Ih!Criei publicados no portal Whow.

Arte da capa: Fran Pulido

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